ARTE E OFICINAS TERPÊUTICAS EM TEMPOS DE RECONSTRUÇÃO.
A arte, nas oficinas terapêuticas, pode ser pensada e estudada sob muitas óticas e em suas diversas linguagens, tendo seu emprego como instrumento embalador da nova propedêutica , e demostrando como o “fazer artístico “ chega a propiciar, ao portador de sofrimento psíquico uma nova perspectiva de reinserção social.
Palavras Chave: Oficinas, contexto histórico, o papel do artista, arte política , reinserção.
A introdução de oficinas de artes no contexto de oficinas terapêuticas em Belo Horizonte provou que o “fazer artístico”, na busca da criatividade em determinados aspectos, poderia mostrar-se intangível para alguns, e, quando despertado, surge como o primeiro passo do autodescobrimento, levando cada indivíduo a se reconhecer com habilidades nunca percebidas. Isso traz, consequentemente, resultados bastante benéficos para aqueles, que, de certa forma, acostumaram-se a ser desacreditado no convívio social.
As oficinas terapêuticas geralmente se realizam a partir do momento em que se consegue despertar, nos indivíduos-alvo, algum interesse pela sua criatividade e pelo fazer artístico. Isso possibilita que concretizem de forma material, o que talvez já fosse embrionário, ainda que inconsciente, em seu interior.
As oficinas terapêuticas constituem abordagens novas no contexto de saúde mental, pois tanto os usuários das oficinas quanto seus familiares buscam a conquistar do respeito social, por meios de métodos que lhes possibilitam se reconhecer como integrantes da comunidade. Além disso essas oficinas servem como campo de experimentação para profissionais da arte que desejam se especializar nessa área de atuação, oferecendo inclusive vasto material de pesquisa àqueles que se proponham a encarar tal desafio.
A ausência de uma abordagem artesanal e/ou ocupacional de outras oficinas existentes no serviço pode levar a crença de que as oficinas de arte são a única metodologia digna de interesse, desconsiderando todo o restante do potencial terapêutico. Também pode-se criar a atitude de uma tolerância exagerada, ou ainda, considerando que tudo o que se produz em tais oficinas é visto como a mais pura e autêntica arte.
No entanto, rejeitamos tal postura pois, acreditamos que nenhuma dessas atitudes é apropriada para uma análise adequada do conteúdo das oficinas terapêuticas. É crucial adotar critérios, múltiplos, porém específicos, que possam contribuir para uma avaliação abrangente das abordagens oferecidas por estes “fazeres”, que certamente levará a uma reflexão mais cuidadosa. Ao evitar essas tendências, busca-se trabalhar com o indivíduo como parte de um grupo social, ao mesmo tempo em que se reconhecem as diversas abordagens das oficinas terapêuticas de relevante valor cada uma com seu valor e propósito específicos.
O nosso entendimento enquanto artista plástica, monitora de oficinas de artes plásticas em Centros de Convivência da Saúde Mental e pesquisadora do tema, nos leva inevitavelmente ao encontro de enfoques de natureza histórico/cultural, artístico/social, em busca do satisfatório retorno do indivíduo ao convívio sociofamiliar.
É importante ressaltar, no presente estudo, que em nenhum momento se pretende, nas oficinas, gerar obras destinadas à análise crítica, pois isso nos levaria fatalmente à adoção de conceitos-chaves que ensejariam compreensão de um segmento da produção considerada “artística”. Segundo (Jorge Escalena-1991) Tais conceitos se vinculariam a Sistemas de artes forçando o delineamento de indivíduos e instituições responsáveis pela feitura, distribuição e consumo de objetos e eventos.
Como resultado poderíamos ainda ter produtos com rotulo de “artístico”, impingindo-lhes a responsabilidade de levar à adoção de padrões e limites para a arte, até mesmo como sinônimo de produto de uma cultura ao longo de um determinado período histórico. Essas condutas poderiam de fato, resultar em obstáculos que impediriam a criação e o exercício de sua própria evolução dentro de uma busca lógica.
As produções de arte nas oficinas terapêuticas ainda estão muito ligadas ao pensamento do trabalho autoral e em sua atribuição no benefício da reconstrução de uma identidade.
A análise a partir deste sistema considera rituais de desempenhos que envolvem a supremacia do trabalho intelectual sobre o manual e, portanto, do “artista” sobre o do “artesão”; da arte como descarga libertária para outra fonte de criação, na qual a arte aloja como questão intelectual. Retornando (Da Vinci,1944) com as devidas ressalvas: a arte como coisa mental.
Pôr sua vez, esta participação articula-se às hegemonias sociais e consolida-se na construção de uma identidade cultural específica.
No contexto em tela, onde enfocamos o trabalho da Saúde Mental, visa-se, nos Centros de Convivência, dentre outros objetivos, a busca precípua da reinserção dos indivíduos-alvo na sociedade, considerando-se é lógico, a sua diferença de vivência, mas sem lhes criar, entretanto, distinção social.
Foi necessária a recente história da loucura narrada por Foucault e pela antipsiquiatria para que esses sujeitos chamados “loucos” tivessem meios de pleitear o direito à alteridade.
Há 20 anos no Brasil, foi iniciado o processo de reforma psiquiátrica e, em conseqüência disso, Centros de Convivência da Saúde Mental também tiveram seus inicio nos anos 90, passando a atuar num novo feitio de assistência ao portador de sofrimento psíquico, chegou-se hoje à implantação do sistema de “Rede” de atendimento, de forma substitutiva ao modelo manicomial, onde a adoção de oficinas terapêuticas inspiradas por modificações no modelo italiano, através da mudança no sistema incentivada por Franco Basaglia.
Contudo, não devemos nos esquecer de que no Brasil em 1956, a Dra. Nise da Silveira fundou a Casa das Palmeiras, clínica de reabilitação para doentes mentais, em regime de externato, que utilizou as atividades artísticas expressivas a pintura e a modelagem como principal método terapêutico. Sabe-se também que a Dra. Nise da Silveira foi fundadora do “Museu de Imagens do Inconsciente ”, e que de 1979/81 trabalhou na manutenção desse espaço, financiada pelo FINEP SEPLAN- Secretaria de Planejamento do Governo Federal.
Não podemos deixar de citar neste mesmo panorama, a incursão de Arthur Bispo do Rosário, nascido em Japaratuba, Sergipe, em 1909, e que trabalhou como marinheiro e pugilista no Rio de Janeiro antes de ser internado como esquisofrênico-paranoico na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Durante quase meio século, ele produziu cerca de 1.000 objetos com restos de seu cotidiano. Esses objetos são reconhecidos como a expressão da mais pura e autêntica arte principalmente através da curadoria e da exposição organizada pelo crítico de artes Frederico de Moraes,1990: À Margem da Vida, no MAM/RJ.
A obra de Arthur Bispo engendrou pelos caminhos da arte mais contemporânea no Brasil e no mundo, culminando 1995 na representação do Brasil na Bienal mundial de Artes em Veneza, hoje, sua obra influencia artistas do nosso tempo. Administrando a loucura, através de sua obra questionadora, Bispo do Rosário deixou para a cultura mundial, um dos maiores testemunhos do seu ato criador, não apenas isso, ele faz com que a arte viesse novamente a ser apontada como saída para indivíduos em estados de exclusão, anonimato e clandestinidade para uma identidade exercitada e assumida.
Os Critérios adotados nesse texto para o melhor entendimento do lugar que a arte ocupa na rede pública de atendimento à saúde mental serão levados em consideração, principalmente quando se constata que as oficinas terapêuticas tiveram seu início historicamente em Belo Horizonte, quando a arte foi chamada à participação.
Os Centros de Convivência da Saúde Mental em Belo Horizonte estão hoje localizados nas diversas regiões da cidade, e servem como palcos das oficinas terapêuticas, desempenhando um papel estratégico no processo de estabilização dos portadores de sofrimento psíquico. Essas oficinas são fundamentais nas relações com seu público, pois retira o portador de sofrimento psíquico de uma posição inativa, muitas vezes submersa em mundos próprios, e o coloca em um nível ativo de participação, possibilitando-lhe, assim, uma nova esfera de relações.
Hoje, as oficinas de artes, como parte estratégica de abordagens no processo de estabilização, ocupando um espaço que em conjunto com outros tratamentos, contribui ao processo de aceitação do paciente psiquiátrico. Na oficina, o artista – monitor aplica o seu conhecimento, com o objetivo de transformar paradigmas sócios – culturais muito arraigados em ações artísticas.
Em Belo Horizonte, o processo de estabilização foi inicialmente impulsionado através das oficinas de artes, que hoje contam com um corpo diversificado de artistas, esses profissionais atuam como formadores de ideias, ações e opiniões, junto à clientela psiquiátrica, direcionando-a para a ressocialização, utilizam uma variedade de linguagens artísticas, como recursos mobilizando os indivíduos para a produção criativa.
As oficinas de artes, nos Centros de Convivência da Saúde Mental, embora não tenham o objetivo de formar artistas, muitas vezes revelam talentos promissores no espaço de criação .Também é comum que alguns usuários, apesar de frequentarem regularmente, produzam pouco e participem esporadicamente das atividades. Além disso, a aqueles mesmo sem questões diretamente relacionadas a à produção artística, encontram um espaço onde se sentem pertencentes ,como seres sociais, cidadãos, ou como consumidores da cultura e do relacionamento, algo que lhes foi negado em “outros tempos”.
No âmbito das oficinas de artes, são desenvolvidas propostas em diversas linguagens, ministradas por artistas qualificados em suas áreas específicas. Esses profissionais se destacam por sua capacidade de interagir com os usuários, abordando questões relacionadas a arte e a condição humana.
Os artistas utilizam suas experiências no campo da criação para potencializar as construções poéticas, metafóricas, simbólicas e visuais dos usuários, buscando fomentar a prática artística que favoreça a reintegração sociocultural do portador de transtorno psíquico. Ao promover o diálogo com o “fazer” diante da adversidade, a produção artística permite ao paciente recuperar sua autoestima e se reconhecer como agente de seu próprio destino. Além disso, essa prática possibilita o autoconhecimento por meio da manifestação interna que, quando externada, se conceitua como arte.
Dentro desse enfoque histórico, e a partir de uma transformação cultural obtida no âmbito do “fazer artístico”, foram implementadas oficinas de artes plásticas, dança, música, teatro e literatura. Na prática, essas oficinas são realizadas com grupos de usuários encaminhados pelos serviços da rede municipal de atendimento, geralmente denominados Centros de Referência da Saúde Mental, para os Centros de Convivência. Por meio do acolhimento, os técnicos coordenadores do serviço entrevistam e encaminham os usuários para as oficinas, levando em conta suas escolhas, preferências e aptidões.
O papel do artista no Centro de Convivência tem sido de fundamental relevância, pois é por meio dele, como “agente da arte”, que as oficinas se configuram, permitindo que cada linguagem artística adquira o perfil desejado pelos usuários. Embora ainda esteja em processo de definição dentro dos serviços, é evidente, pela experiência prática, que a função do artista inclui propor, orientar e potencializar os recursos técnicos, construir conceitos estéticos e referenciar o trabalho historicamente, entre outras atividades que promovem a geração de conhecimento e cultura.
Além da prática nas oficinas, cabe ao artista apresentar ao grupo mostras, concertos e outras atividades de relevância cultural e artística. Parte de sua abordagem é conduzir o usuário para fora do Centro, rumo a uma nova condição social, permitindo-lhe circular no ambiente cultural da cidade. Dessa forma, o artista contribui para a criação de novas vertentes de valores socioculturais a serem apreendidos pelos participantes, enquanto cidadãos.
Cabe ainda ao artista monitor das oficinas de artes buscar a visibilidade dos trabalhos produzidos por meio de mostras, concertos e outras produções culturais. Seu objetivo é promover a inserção do usuário na cena artística, permitindo que ele seja reconhecido como uma pessoa de valor. Esse reconhecimento pode sustentá-lo como cidadão, apesar das diferenças, perante a família, a comunidade e a sociedade, em um novo contexto social, cultural e de participação.
Considerando a complexidade do quadro social dos portadores de sofrimento mental e sua postura frequentemente excludente, nós, artistas, não nos limitamos a meros “fazedores de oficinas”. Temos plena consciência de nossas responsabilidades ao assumir a função de pensar e formar opinião. Não apenas mobilizamos o sujeito rumo à expressão, mas também intervimos no processo que contribui para sua exclusão. Atuamos como interlocutores com o mundo da cultura, desempenhando o papel de “fazedores de laço”.
“A arte enquanto veículo de socialização do portador de sofrimento psíquico” reflete um conjunto de ideias, valores, “estruturas simbólicas” e esquemas de comportamento que expressam, direta e indiretamente, as necessidades e interesses de um determinado grupo social.
Através de diferentes “aparatos ideológicos” e das formas de organizar os mecanismos de “persuasão ideológica”, impõem-se os fundamentos e a concepção de mundo de uma classe social, considerados, em última instância, políticos. Nesse contexto, a arte produzida pelos usuários dos Centros de Convivência em Belo Horizonte sempre esteve a serviço da luta política contra as estruturas manicomiais. Essa luta denuncia e combate a favor da causa do esclarecimento político e social, alinhando-se a panoramas históricos de movimentos artísticos registrados pela História da Arte. De acordo com Wilson Simon (1950), o Dadaísmo, por exemplo, foi a primeira manifestação de antiarte do século passado, refletindo naquele momento um sentimento de saturação cultural, de crise moral e política.
Contudo, apesar da necessidade imprescindível de engajamento político, salientamos que a arte produzida nas oficinas também carrega valores estéticos, poéticos, humanos, éticos, arqueológicos e ancestrais, oferecendo expressividade e espontaneidade que vão além da mera alegoria política. Acreditamos que ainda há muito a progredir no sentido de viabilizar o potencial poético das obras, explorando suas significações intertextuais. Muitas vezes, grandes trabalhos podem ser perdidos na urgência de um fazer político. O trabalho nas oficinas terapêuticas sempre serviu à luta antimanicomial, mas também tem o potencial de transcender essa função, revelando sua riqueza poética e criativa.
As oficinas frequentemente resultam na produção de objetos artísticos que carregam os valores acima mencionados, fundamentados nas sugestões e técnicas propostas pelo artista ou inseridas por ele.
como afirma Fayga Ostrower-1990 que jamais a arte será mera questão de habilidade ou se limitará a meros problemas técnicos. A técnica representa um instrumento de trabalho, que o artista precisa conhecer- evidentemente- e dominar com plena soberania aqui se entenda bem: cada artista há de encontrar suas técnicas; … não todas as técnicas do mundo.
A prática do artista na oficina é essencial para o processo criativo, pois as incursões feitas por ele proporcionam ao usuário da oficina uma ferramenta valiosa em seu processo de elaboração. A motivação que o artista oferece é de grande importância, uma vez que está impregnada de conceitos estéticos e artísticos oriundos de seu próprio desenvolvimento.
O artista orientador de oficinas compreende que, em qualquer trabalho artístico — seja nas artes plásticas, música, dança, teatro ou outras — sempre haverá escolhas a serem feitas, assim como possibilidades de otimização ou eliminação. Esses processos de desconstrução e reconstrução são intrínsecos ao ato de criação. A bagagem de experiência de cada artista permite-lhe orientar, com uma atitude seletiva, a adequação da linguagem aos conteúdos expressivos. É essa seletividade estilística, elemento indispensável ao processo criador, que confere ao artista a capacidade de orientar efetivamente os processos vivenciados pelos usuários nas oficinas.
No cotidiano das oficinas terapêuticas, transitam personagens como atores, artistas, músicos e dançarinos. É nesse ambiente, propício à ampliação da criatividade, que se dá a prática das elaborações artísticas. Essas atividades não têm um tempo determinado, pois se desenrolam no ritmo próprio de cada criação. Um trabalho às vezes nunca chega a ser concluído, mas, mesmo assim, no período em que foi constituído, ele permanece ativo, vivo e cheio de relevância. Esse espaço de criação é suficiente para dar sentido à vida, transformando ideias em práticas que podem ser belas e, muitas vezes, sublimes.
Na prática das oficinas de artes plásticas, por exemplo, frequentemente se depara com o desconhecimento da linguagem artística por parte dos usuários. Isso pode causar desconfiança e até mesmo um sentimento de impotência diante dos meios oferecidos para a expressão. Contudo, com o tempo e a prática diária, os usuários adquirem confiança suficiente para se mobilizar e se engajar no ato de criar.
São desenhos, pinturas, gravuras, esculturas, modelagem em argila e uma variedade de técnicas para orientar a prática nas oficinas.
A construção poética não tem um tempo fixo, nem segue ritmos cadenciados ou formas predefinidas. Ela se manifesta através de signos e arquétipos que emergem do inconsciente, envolvendo aspectos imagéticos, sonoros, gestuais, linguísticos e, por vezes, literária.
Pode-se dizer que a construção poética depende da linguagem, que é frequentemente representada por uma coleção de metáforas, algumas já desgastadas e outras cheias de deslumbramento. No entanto, essas metáforas buscam urgentemente viver na fluidez das identidades, verdadeiros prodígios da linguagem artística. A criação poética, muitas vezes, também se organiza no caos, refletindo uma instância onde ordem e desordem coexistem.
A primeira e mais importante consequência ao se apropriar de um trabalho autoral no campo artístico é garantir que o sujeito não seja afastado de seu direito de expressar a “loucura”. Deve-se ter cuidado para evitar que o trabalho recaia no aprisionamento moral implícito no diagnóstico recebido.
Como disse (Michel Foucault-1995) A história da Loucura seria a história do outro- daquilo que, para uma cultura é ao mesmo tempo interior e estranho, a ser, portanto, excluído (para conjurar-lhe o perigo interior), encerrando-o, porém (para reduzir-lhe a alteridade); a história da ordem das coisas seria a história do mesmo- daquilo que, para uma cultura, é ao mesmo tempo disperso e aparentado, a ser, portanto, distinguido por marcas e recolhido em identidades.
Um projeto de reinserção como esse pode ocultar a contínua busca por uma racionalidade na produção, cujo sentido não deve ficar vagueando sem rumo. Ao conferir à produção uma verdade exterior, subtrai-se a autonomia dos desvarios, sua carga noturna de fúria e incompreensão. No plano binário dos incluídos versus excluídos, a identidade de artista ainda confere certa dignidade e mansidão.
Como indica (Carmem Veloso- 1998) As ações artísticas desenvolvidas nessas oficinas inspiram consciência de mundo, exploram e interpretam o nosso lugar na história e celebram nossa herança cultural.
As oficinas têm se prestado como local para a recuperação cultural, social e humana. E é neste lugar que se produz um fazer que se caracterize como crítica e renovação, restaurando a linguagem aos seus primeiros significados.
A arte produzida nas oficinas contextualiza metáforas e símbolos visuais; restaura a si mesma com uma viva força portadora de valor, buscando convidar a nossa participação, clarificar a nossa relação conosco e com os outros dentro de um universo maior; quebrando as barreiras entre ela mesma e outras atividades humanas e afirmando uma atitude triunfante frente à adversidade.
Ainda é imprescindível considerar os desdobramentos que a criação dessas obras acarreta. É necessário abrigar, catalogar e difundir as produções, tornando quase obrigatória a criação de um Centro de Referência Cultural que desempenhe essa função.
A multiplicidade de enfoques possíveis na produção artística das oficinas terapêuticas leva a uma constatação importante: essas oficinas representam uma nova ordem de recondução, onde o portador de sofrimento psíquico não é apenas um autor de obras, mas principalmente o autor de sua própria vida, abrindo portas e apontando novas saídas a cada dia.
Na instituição que abriga as oficinas terapêuticas, os profissionais estão sujeitos a uma estrutura que, na maioria das vezes, está pronta e acabada, não projetada para incluir a classe de artistas e instrutores de oficinas. Mesmo assim, eles desempenham seu papel diariamente, construindo, há dez anos, essa nova abordagem com os portadores de sofrimento psíquico.
Esses profissionais, muitas vezes não reconhecidos, enfrentam uma série de adversidades institucionais e relações profissionais mal estabelecidas, além de condições de trabalho precárias. Apesar da valorização no âmbito da cultura e da arte, eles ainda carecem de aspectos essenciais que representam uma verdadeira penalização ao seu bom desempenho profissional.
É necessário justificar nossos conhecimentos, especialmente quando reconhecemos que muitos campos do saber apresentam deficiências devido à falta de observação das experiências práticas.
O que frequentemente nos faz sentir impotentes é o sistema, que muitas vezes, tardiamente e com dificuldade, descobre onde estão o valor e a qualidade no trabalho. Falo pelos artistas e por muitos outros grupos que, em sua prática laboriosa, permanecem ocultos atrás de suas tarefas.
Sabe-se da importância de um trabalho escrito que possa fundamentar o valor de algumas ideias. Contudo, pouco se sabe sobre as conquistas objetivas oriundas da prática devido à falta de uma avaliação condizente e comprometida com o conhecimento e, sobretudo, com a verdade.
Não é estigmatizante reconhecer a condição à qual foram submetidos artistas ao longo da história, como Nietzsche, Van Gogh e Artaud, cuja criatividade foi muitas vezes consumida ao submeter suas personalidades intensas ao silenciamento imposto pelas instituições psiquiátricas.
No Brasil, onde há grandes desigualdades sociais e uma explosão de potencialidades artísticas, delineia-se um palco de abnegação dos valores individuais. No entanto, esses valores se tornam verdadeiros motores para a construção de uma nova realidade ou vida para o portador de sofrimento psíquico. Acredita-se na possibilidade de construir realidades mais dignas e em providências políticas mais promissoras que beneficiem a sociedade como um todo. Busca-se a formação de uma nova ordem, refletida em projetos que visem à valorização humana e sejam fundamentados na nova realidade que a arte oferece, para, em consonância com a cultura, celebrarmos a dignidade e a vida.
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